Publicado em: 22 de agosto de 2024 14h08min / Atualizado em: 22 de agosto de 2024 14h08min
Rostos sorridentes, de pessoas negras e indígenas. Diversidade, cor e, principalmente, identificação. É com uma grande arte de Jean Magnus (@olharte_art) que os visitantes do Setor de Assuntos Estudantis (SAE) da UFFS – Campus Chapecó se deparam – e se encantam – ao entrar na sala 220 do bloco C.
O artista é, também, estudante do curso de Ciências Sociais. Vindo de Porto Alegre para estudar na UFFS, ele conta que não lembra da vida antes da arte. “Sempre foi a minha paixão, o meu hiperfoco, na realidade, porque eu sou neurodivergente, então tenho a arte como hiperfoco da minha vida. Eu a uso para tudo”, comenta ele.
O contato com a tinta spray, principal instrumento que utiliza hoje, foi em Chapecó. Com isso, ele começou a fazer murais de grafite, e atualmente essa é a principal atividade artística que desenvolve. “Faço muitas coisas, ilustração, pintura em quadro, mas o foco, 90%, é o grafite”.
Jean conta que quando iniciou no grafite em Santa Catarina, entrou na busca de encontrar sua própria identidade, um segmento para sua arte. Ele relata que usou sua facilidade em fazer rostos de pessoas para retratar rostos de pessoas semelhantes, com as quais se identifica. “Então, eu criei os pretonagens, que são os personagens pretos, que é basicamente a minha arte, é como eu chamo. E essa demanda, na verdade, surgiu muito por conta de eu estar aqui em Chapecó e passar por situações sociais, entender que tem essa demanda de conscientizar, essa demanda de falar sobre questões sociais, essa demanda de ter representatividade. Então, foi basicamente por causa disso que eu fui construindo, tipo, esse segmento”.
Por já ter feito pinturas em escadarias do campus em outras oportunidades, e por sempre buscar espaços na instituição para trazer mais alguma arte, Jean conta que buscou as servidoras do SAE para desenvolver algo a mais. “Construímos o projeto, e coincidiu do setor ter trocado de sala, e eu estar querendo fazer uma arte, e elas quererem uma arte”, comenta ele.
Paralelamente a isso, Jean também desenvolve o projeto de extensão “Pretonagens – Arte que segue” sob a orientação da professora Claudete Gomes Soares. Nas escolas, ele desenvolve oficinas de arte e educação a adolescentes, levando um pouco da universidade ao universo escolar e vice-versa, já que, ao final, a ideia é montar uma exposição com as artes dos jovens na UFFS.
A questão conceitual da arte desenvolvida por Jean, segundo ele, foi iniciada a partir do momento em que começou a criar sua consciência. “Uma consciência racial, uma consciência de classe, um senso crítico. E despertei para tudo isso dentro da universidade. A universidade está sempre renovando as minhas ideias artísticas, porque utilizo a arte como um instrumento social e político também. Na minha arte, eu busco minimamente comunicar alguma coisa. E essas coisas que eu comunico são através dos conhecimentos e não só conhecimento da universidade, minha arte não é academicista, mas é um complemento das minhas vivências. Eu consegui organizar as minhas vivências através do conhecimento que eu adquiro na faculdade”.
Sobre a arte na sala do SAE, Jean ressalta que ela serve “exatamente para as pessoas entrarem na sala e minimamente se sentirem representados, se sentirem mais à vontade nesse espaço. E é justamente isso que a assistente social do Setor de Assuntos Estudantis, Larissa Brand Back, acredita que acontece. “A ideia é que o estudante se sinta pertencente a esse espaço, que ele possa se reconhecer nessa imagem, nessa obra de arte. Contar com o Jean com a obra dele, de fato, é um presente para nós. Estamos em uma sala nova, e queremos que o estudante se sinta bem no espaço que é dele”.
Por que representatividade importa?
Claudete Gomes Soares
“Penso é cada vez mais urgente e necessário que pessoas oriundas dos grupos marginalizados, subalternizados e racializados como as pessoas negras e indígenas possam se reconhecer nos espaços nos quais estão inseridas. Nesse sentido, a modificação dos espaços por meio da arte que é produzida por pessoas negras e indígenas e que retrata as nossas experiências torna os ambientes mais familiares, mais aconchegantes.
Lembro-me de uma conversa com alguns estudantes indígenas do PIN, no contexto de aula, sobre os que eles sentiam faltam no espaço universitário e que produziria maior conforto na experiência deles enquanto estudantes. Uma das propostas foi a criação de um museu permanente, construído a partir de elementos presentes nas edificações indígenas no qual estariam expostas as produções artísticas dos vários grupos indígenas que estão presentes na UFFS. Havia um desejo muito forte de que a cultura deles fosse vista e reconhecida.
Percebo esse desejo também entres os/as estudantes haitianos. Ao passo que eu mesma coordeno um Clube de Leitura cujo foco é o contato com a literatura produzida por autores negros/as; africanos/as e esperamos nas próximas edições inserir também autores e autoras indígenas. A arte produzida pelo estudante Jean Magnus faz parte desse movimento de desestabilização de espaços que retratam de forma prioritária as experiências dos colonizadores europeus, dos brancos por meio de estátuas e artes plásticas celebrativas e de uma forma de produção de conhecimento.
Contudo, se esse é um movimento que permite um maior espelhamento dos vários grupos, não devemos ser ingênuas e acreditar que a representatividade resolve o problema do racismo. Como nos lembra Sílvio Almeida em seu ‘Racismo Estrutural’ a representatividade não é uma reconfiguração das relações de poder que mantém a desigualdade.
‘A representatividade é sempre institucional e não estrutural, de forma que quando exercida por pessoas negras, por exemplo, não significa que os negros estejam no poder’ (p.112). Esse é uma alerta importante, pois esses movimentos de ocupação de espaços não são suficientes para transformar instituições e os seus valores, eles são absorvidos no interior de um projeto que mantém o branco como hegemônico.
Um passo importante seria os hegemônicos, no caso em questão os brancos, também se submeterem a um processo de revisão dos seus privilégios, de suas linguagens, de seus posicionamentos diante dos grupos que foram constituídos como outros. Podemos encontrar entres professores e professoras brancas posições, termos, referências a esses grupos que indicam a falta de preocupação com um letramento racial que posicione a suas próprias identidades nessas relações de poder e as problematizem. Me parece que ainda estamos muito distantes desse passo que é fundamental para uma conversa série sobre racismo no Brasil e na UFFS em particular e, no entanto, são essas as pessoas que estão de fato posicionadas em lugares de poder”.
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