Grupo descobre que levedura encontrada no Campus Chapecó dispõe de enzima com elevada capacidade hidrolítica de celobiose
Com a pesquisa, grupo conseguiu a publicação de artigo em um periódico

Publicado em: 05 de maio de 2020 10h05min / Atualizado em: 05 de maio de 2020 15h05min

Um estudo realizado por membros do Grupo de Pesquisa em Processos Enzimáticos e Microbiológicos, da UFFS – Campus Chapecó, resultou em um artigo publicado no periódico internacional Archives of Microbiology. Nele foi caracterizado bioquimicamente o metabolismo de celobiose (um carboidrato encontrado em matérias-primas utilizadas na produção de etanol de segunda geração) em uma espécie de levedura pouco conhecida e que foi coletada em material vegetal em decomposição na serrapilheira das matas do Campus Chapecó e na Floresta Nacional de Chapecó.

O estudo é idealizado, orientado e coordenado pelo professor Sergio Alves. O artigo tem como primeira autora Évelyn Barrilli, egressa do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, e as estudantes Viviani Tadioto e Letícia Milani, que atuam na Iniciação Científica.

Conforme o professor, com a autorização do ICMBio, foram coletados restos de troncos e vegetais que começavam a se decompor no solo. Depois, em laboratório, foram isoladas as leveduras que estavam na matéria vegetal em decomposição. “A levedura é um fungo unicelular –  que utilizamos para fazer pão em casa, que as indústrias utilizam para fazer cerveja, vinho e para fabricar o etanol combustível. O micro-organismo responsável por esse processo fermentativo é o que conhecemos como levedura. Existem inúmeras espécies”, explica ele.



Motivação da investigação de leveduras encontradas no solo das matas

O professor Sérgio fez toda uma contextualização para chegar a essa resposta. O início é que o Brasil é o segundo maior produtor de etanol combustível do mundo, com uma produção invejável e bastante eficiente. Perde, em quantidade, apenas para os Estados Unidos, que tem um subsídio do governo para tal atividade. A produção de etanol brasileira é da chamada primeira geração do combustível, que utiliza caldo ou melado de cana ou uma mistura dos dois para a fermentação.

O caldo, o melado ou a mistura de caldo e melado da cana são ricos em um açúcar chamado sacarose (que é o açúcar que a gente usa em casa), que é fermentado muito facilmente pelo micro-organismo que hoje é utilizado para produzir o etanol de primeira geração.

A produção brasileira de etanol de primeira geração, contudo, gera como subproduto 150 a 200 milhões de toneladas de bagaço por ano (um resíduo sólido, portanto, a maioria das usinas o queima).

Segundo o professor, dentro desse bagaço – que é uma biomassa lignocelulósica - existem açúcares que também podem ser fermentados. “Se a gente quebra essa estrutura lignocelulósica, se a gente ‘desmonta’ ela por inteiro, o que a gente vai obter dela, dessa hidrólise, são açúcares que podem ser fermentados”, ressalta.

Mas há outra questão: se essa biomassa é quebrada, parte dos açúcares poderão ser fermentados pela espécie de levedura já empregada na primeira geração do combustível. Entretanto, outra parte bastante significativa, conforme Sérgio, não pode ser fermentada pela mesma levedura. “Se a gente conseguisse fazer com que tudo isso fosse fermentado, conseguiríamos aumentar, no Brasil, em 50% a produção de etanol sem que fosse necessário plantar um pé de cana a mais. Ou seja, não precisaríamos de mais água para irrigação e não precisaríamos mais ceder áreas para o plantio de cana. Isso tem um apelo interessante dentro da segurança hídrica e da segurança alimentar. Então, o etanol de segunda geração é muito interessante porque é produzido a partir de resíduo”, explana o professor.

“Há várias outras frentes que precisam ser otimizadas, mas o nosso grupo se ocupa da fermentação desses carboidratos”, ressalta.

Foco do artigo

O trabalho realizado teve a caracterização da levedura selvagem da microbiota brasileira como enfoque. Com a ajuda de um grupo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor e estudantes verificaram que as cepas pertenciam à espécie Candida pseudointermedia, ainda pouquíssimo conhecida. “Há muito pouco sobre essa espécie na literatura, em geral. E encontramos isso dentro do nosso campus”, comenta o professor.

Ele também contextualizou que quando buscam isolar leveduras que estão na mata, no material em decomposição, já estão selecionando leveduras que são aptas a consumir aquele material. “E aquele material contém esses açúcares que a levedura atualmente utilizada na produção de combustível não consegue fermentar. Portanto, temos chances de encontrar nesse local, micro-organismos que são capazes de metabolizar aquilo que o micro-organismo industrial não consegue fazer. Parece um pequeno ponto de partida, mas ele se desmembra em várias coisas que podem ser feitas”.

A proposta, então, foi que o grupo caracterizasse a espécie para entendê-la e verificar se é possível extrair algo que possa servir para um processo biotecnológico, como a produção do etanol combustível. “Começamos a analisar essas duas linhagens, essas duas cepas da espécie, diante da celobiose, que é um carboidrato que precisa ser fermentado para uma produção otimizada da segunda geração do combustível”.

Nessas leveduras, eles perceberam que, embora houvesse um rendimento de etanol baixo diante da celobiose, "tinha uma atividade enzimática diante desse carboidrato muito alta”.

Assim, do estudo pode-se, futuramente, extrair uma aplicação, com o uso da engenharia genética. “Quando encontramos uma enzima em um micro-organismo, sabemos que podemos pegar o gene que codifica essa enzima num organismo e colocar em outro organismo. Então é possível fazer isso, por exemplo, com a levedura que é utilizada na produção da primeira geração do biocombustível. Essa levedura que encontramos no Campus Chapecó, possui uma atividade enzimática muito alta diante da celobiose. Ou seja, ela consegue quebrar com elevada eficiência a celobiose, gerando monossacarídeos que são facilmente fermentados por toda e qualquer levedura. Quando a celobiose é quebrada, ela libera duas moléculas de glicose, e a glicose é um prato cheio para a fermentação de toda e qualquer levedura, incluindo essa utilizada na produção da primeira geração do biocombustível. Uma possível aplicação biotecnológica desse trabalho seria extrair o gene que codifica essa enzima de alta atividade e colocar esse gene dentro de uma levedura com alta capacidade fermentativa”.

Próximos trabalhos

Para Évelyn, “o artigo publicado representa uma conquista muito esperada pelo grupo de pesquisa, já que demandou um esforço coletivo. Além disso, foi uma ótima forma de divulgação do trabalho realizado durante a Graduação, que pode vir a contribuir com outros pesquisadores da área”.

Segundo o professor, há outros trabalhos de caracterização de outras leveduras vindas direto da natureza. Ele reforça que o objetivo primeiro é conhecer melhor a microbiota que nos cerca. Para isso, há uma coleção de pelo menos 200 cepas – de frutos em decomposição, de bagaço de cana-de-açúcar e milho das áreas experimentais do Campus Chapecó, de intestino de insetos, de algas verdes em decomposição, de vegetação de restinga, etc.

A partir de processos como esse, o grupo já identificou uma levedura cuja espécie ainda não foi descrita pela ciência, que sequer existe na literatura científica ainda. Viviane vem trabalhando com essa levedura há algum tempo e, em breve, deverá submeter seu artigo.

Depois de uma série de experimentos, a estudante, com a orientação do professor, concluiu que a levedura tem uma performance mais interessante do que as leveduras industriais aplicadas na primeira geração do combustível.

Já Letícia vem trabalhando com leveduras isoladas de algas verdes coletadas na praia dos Ingleses, no Norte de Florianópolis. A característica que chama a atenção dessa levedura é a tolerância ao cloreto de sódio.

“Alguns grupos de pesquisa no mundo já começaram a pensar em produzir álcool a partir não de água doce, mas de água do mar. Dessa forma se diminui a pegada hídrica. Essas leveduras se mostram tolerantes a esse uso”, revela o professor. “Além disso, Letícia está avaliando se essas leveduras podem metabolizar carboidratos que são de interesse para a terceira geração do combustível”.

Trabalho intensivo

Com uma carga horária da Graduação bastante pesada, as estudantes relatam que precisam encontrar alternativas para dar conta das pesquisas. Às vezes, contribuindo nos experimentos dos colegas, às vezes ficando até muito tarde no laboratório. Outras, indo aos fins de semana para dar seguimento aos trabalhos.

Na Iniciação Científica, elas têm, como bolsistas, 20 horas semanais de atuação e, como voluntárias, dez horas. Porém, em vários momentos, os experimentos demandam mais delas. “Chegamos a ficar 12 horas ininterruptas para alguns experimentos. Em outras semanas, ficamos em casa, tabulando dados. Precisamos planejar esses períodos – essa é outra coisa que aprendemos com o projeto”, avalia Viviane.

“O projeto abre um leque de possibilidades. Entramos em contato com outros profissionais também, e  isso aumenta nosso horizonte de conhecimentos nessa linha. Possibilita uma formação diferenciada”, ressalta Letícia.

Viviane acrescenta: “O projeto traz uma vinculação do que aprendo em sala de aula, que parecia que não tinha a ver – como a física com o funcionamento de um equipamento; ou a parte estatística, que agora estamos tendo que trabalhar mais no projeto – e também com outras questões, lá fora”.

Évelyn, que já está no mercado de trabalho, considera que certamente a pesquisa a ensinou não somente sobre o que foi pesquisado, mas também sobre organização pessoal, trabalho em grupo, comunicação em público, persistência, dentre outras habilidades úteis. “Também abriu a minha mente para novas oportunidades no mercado de trabalho, que não fosse somente a atuação como engenheira ambiental e sanitarista, e me instiga a continuar estudando e buscando aperfeiçoamento através de um Mestrado, e até mesmo um subsequente Doutorado”

O professor sinaliza que o aluno em Iniciação Científica “aprende a ter atitude, proatividade. No fundo, o estudante em Iniciação Científica está passando por uma metodologia ativa de aprendizagem. O aluno tem diante de si um projeto, um plano de trabalho e precisa explicar algumas coisas que está percebendo com a ‘mão na massa’. Além de abrir possibilidades, inclusive, na busca por emprego depois ou de seguir na carreira acadêmica, já que com a IC fica muito mais fácil de ingressar numa Pós-graduação”, finaliza.