Projeto de cultura discute com crianças o direito à cidade
Crianças da Escola Municipal Cyro Sosnoski participaram do projeto

Publicado em: 11 de dezembro de 2017 11h12min / Atualizado em: 11 de dezembro de 2017 16h12min

Discutir com crianças do 1° ao 5° ano o direito à cidade e contribuir para que elas tenham uma formação integral que envolva seu cotidiano no bairro e na cidade. Esse foi um dos principais objetivos do projeto "Territórios educativos da cultura: o direito à cidade a partir e para além dos muros da escola" que foi financiado pelo Bolsa Cultura no edital Nº 551/GR/UFFS/2017.

O projeto teve como público-alvo as crianças do 1º ao 5º ano que estudam em turno integral na Escola Municipal Cyro Sosnoski, no loteamento Vila Páscoa, no Bairro Efapi. Além de desenvolver nas crianças em formação integral, por meio da incorporação de novos territórios educativos, a percepção e o exercício do direito à cidade, o projeto também teve como objetivo estimular a apropriação de territórios do entorno escolar como conteúdo e suporte para atividades educativas, conscientizando por meio das atividades lúdicas sobre o direito à cidade.

Atividades

Com a coordenação do professor do curso de Ciências Sociais, Alexandre Matiello, e desenvolvido pelas estudantes do curso, Alecsandra Jadoski, Marilita Dias e Roseny Bernardi, o projeto contou com a parceria da escola desde o início. “Em cada uma das turmas foram desenvolvidas duas oficinas, com múltiplas atividades. Todas as turmas desenvolveram um percurso pelo bairro onde as crianças eram as guias, sob pretextos dos mais diversos, como serem "detetives do bairro", em que eram questionadas sobre em quais espaços as crianças brincavam, quais eram os lugares bons e ruins e, em alguns casos, recolhiam alguns elementos que achavam no percurso para elaborar alguma atividade posterior”, explicou Matiello.

Com o pretexto de uma rede social fictícia, o "bairrobook" , as crianças também registraram com fotos as situações vistas no percurso e as associavam aos ícones comuns nas redes sociais, expressando sentimentos diversos. “Esta atividade era suporte para o questionamento sobre liberdades e cerceamentos às crianças ao uso do espaço público, surgindo elementos como o tráfico e consumo de drogas como impeditivo do uso de espaços que seriam para apropriação pelas crianças”, afirmou.

Em outra atividade chamada de "jogo da memória" as crianças receberam um conjunto de fotos postais de espaços diversos do bairro e da cidade para dizerem se conheciam, se já haviam visitado e se sabiam o uso. Para Matiello, foi revelador perceber que espaços culturais como o museu de colonização que fica no bairro, dentro do Parque da Efapi, e a galeria de artes, sob a praça do centro, eram pouco conhecidas, e que mesmo o Shopping e o Centro de Eventos eram pouco frequentados, embora conhecidos. “Isto foi interessante para problematizar com eles sobre as dimensões do público e do privado e sobre as restrições que a condição socioeconômica impõe ao usufruto das crianças em atividades como o cinema, que está restrito ao shopping, e mesmo a apresentações culturais gratuitas no Centro de Eventos”, ressaltou.

Também foram desenvolvidas ações para estimular a pensar em cenários possíveis para o bairro, como o "baguncidade", em que localizavam por meio de símbolos sobre um mapa gigante do bairro, os equipamentos que desejavam para as crianças brincarem. Desde campos de futebol, passando por pistas de skate e bicicleta, até espaços com churrasqueira para a família, eram os mais requisitados, quase sempre associados a ideia de se garantir a segurança para que as crianças utilizassem. Também nesta perspectiva foram desenvolvidas "maquetes afetivas", para espaços que as crianças pudessem brincar, nas quais surgiram propostas como parque de diversões, lanchonetes e outros usos. As crianças insistiam, quando questionadas, sobre a gratuidade, revelando novamente o quanto o aspecto socioeconômico acaba limitando o direito aos equipamentos de lazer, quase sempre com ônus para seu uso.

A última oficina, realizada nas dependências do Campus Chapecó, foi a "Efapi dos Sonhos" na qual materializaram projetos de equipamentos para o bairro, a partir do estímulo de alguns projetos reais apresentados por meio de imagens. Com sucata e materiais coloridos, deram forma a espaços como biblioteca 24 horas, campos de futebol cobertos, para ter o que fazer quando chove, e Corpo de Bombeiros e Polícia, para garantir assistência rápida ao bairro, que para eles tem muito risco.

Avaliação
Para Matiello, é motivador perceber que, mesmo diante da privatização da vida no espaço doméstico e de fatores sociais como a violência,  as crianças ainda ocupam a rua e os espaços públicos para brincar. “Contudo, a recorrência da violência já tem sido impeditiva para crianças que participaram do projeto, que são restringidas ao brincar dentro dos muros da própria casa. E o surgimento de conjuntos habitacionais em prédios tem inaugurado, no bairro, o brincar no playground do condomínio, restringindo contatos sociais mais amplos”, explicou.

O professor ainda ressaltou que foi perceptível, pelo olhar das crianças, o desapontamento com as poucas áreas públicas para brincadeiras e sua crítica à conservação dos espaços por parte de frequentadores e do poder público. “Também demonstraram como têm que disputar por espaços com os adultos, sobretudo aqueles que são para jogar, como campinhos e ginásios. A oportunidade de sair também dos muros da escola foi desafiadora para os professores que os acompanharam e os estimularam a desenvolver outras atividades que os levem a problematizar sobre o bairro e seu cotidiano”.

O projeto, para Matiello, é um embrião de uma utopia maior: que a presença das crianças no espaço público seja um indicador de qualidade de vida urbana. “Quanto mais tiramos as crianças destes espaços, mais eles são apropriados pelos adultos e, muitas vezes, pela violência. A escola em tempo integral ainda reproduz esta ideia de tirar a criança da rua, mas a ideia é justamente o contrário. É seduzir a comunidade do bairro para ser copartícipe na sua formação, e funcionar como uma rede que proteja de forma indireta a vivência das crianças nos espaços da rua e defenda, junto com eles, o direito à cidade na infância, que acaba se estendendo a todas as outras faixas etárias”, concluiu.