O incrível potencial das leveduras é foco de pesquisas no Campus Chapecó
Conforme o professor Sérgio Luiz Alves Júnior, há muito ainda a ser explorado e descoberto em relação a esses importantes micro-organismos

Publicado em: 09 de agosto de 2023 09h08min / Atualizado em: 09 de agosto de 2023 16h08min

Você já ouviu falar em leveduras? Sabe para que elas servem? É bem provável que um dos primeiros usos que tenha lhe ocorrido seja o na produção da cerveja, mas esses micro-organismos são utilizados em muitos outros processos industriais e no nosso dia a dia e ainda há muito a ser descoberto em relação a eles. Com foco nesse potencial das leveduras é que estão sendo desenvolvidas diversas pesquisas no Campus Chapecó, sob a coordenação do professor Sérgio Luiz Alves Júnior.

Conforme Alves, a UFFS ajudou a criar e agora integra, com diversas instituições de ensino públicas de todas as regiões do país, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) com foco no estudo das leveduras, criado a partir de um edital do CNPQ e aprovado recentemente. A coordenação é do professor Carlos Rosa, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisador 1A do CNPQ.

De acordo com Alves, são quatro anos de proposta, para trabalhar com a biodiversidade de leveduras na natureza e avaliar o potencial biotecnológico delas nos biomas brasileiros. Devido à posição geográfica da UFFS, o grupo do professor ficou com a Mata Atlântica, que já era um bioma bastante explorado por diferentes grupos. No entanto, dentro dela existe uma vegetação específica, a floresta umbrófila mista, também conhecida por Mata de Araucárias, que ainda não foi muito estudada, por isso será o foco das pesquisas.

Alves conta que há coletas na Argentina que estudam leveduras obtidas de araucárias que são do mesmo gênero das brasileiras, embora não da mesma espécie, e que mostraram um perfil fisiológico bastante interessante para a produção de cidra. Há, portanto, um grande potencial a ser explorado localmente. Segundo o professor, no mundo todo é possível perceber que os pesquisadores começam a voltar sua atenção para a biodiversidade por ver nela potenciais biotecnológicos em diferentes setores da indústria.

“A gente tem a ideia de, muitas vezes, trabalhar com micro-organismos já da indústria e modificá-los geneticamente, mas sabemos que isso representa um risco, então, por que não tentar voltar à natureza e verificar o que ela pode nos dar?”, questiona. É nesse sentido que o grupo coordenado pelo professor realiza a bioprospecção, indo aos ambientes naturais buscar leveduras.

A pesquisa

O grupo vai a campo e coleta pequenas amostras de cascas de árvores e do solo perto delas em diferentes locais e épocas do ano. No laboratório, as leveduras são isoladas dessas amostras. “É diferente daquele fungo que mofa o pão, daquele fungo que gera o cogumelo, são fungos unicelulares”, explica Alves. Nas análises é avaliado o metabolismo das leveduras diante de diferentes carboidratos.

“Leveduras são grandes consumidoras de carboidratos, daí vem a fama delas. Elas consomem carboidrato majoritariamente para gerar etanol. Por isso que a gente utiliza leveduras para fazer cerveja, vinho, cachaça, e etanol combustível. É isso que deu a fama das leveduras. O homem utiliza leveduras, ainda que inconscientemente, a maior parte do tempo, há mais de 10 mil anos”, destaca.

De acordo com o professor, as leveduras são micro-organismos fáceis de trabalhar e seguros. Ele pontua que o potencial vai muito além de transformar malte em cerveja, pois, dentre todos os micro-organismos, são os mais rentáveis em termos industriais no mercado mundial. “É mais de um trilhão de dólares por ano envolvido com processos industriais que têm leveduras. Só de cerveja e de vinho já chega perto disso. A cerveja está na casa de 600 bi anuais. E ainda é utilizada na indústria farmacêutica. Boa parte da insulina humana hoje é produzida em leveduras geneticamente modificadas”, informa.

Estudantes da UFFS que participam do grupo coordenado por Alves têm avaliado potenciais bioativos, ou seja, potenciais antioxidantes e anticancerígenos das leveduras coletadas. Gabriel Minussi, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Tecnologias Sustentáveis (PPGATS), por exemplo, estuda como as leveduras podem transformar o resíduo de laranja de uma fábrica de sucos.

Eduardo Fenner, também do PPGATS, pesquisa meios que simulam néctar e o que as leveduras podem produzir de compostos voláteis. “Porque hoje, a gente sabe que boa parte da atração que uma flor exerce sobre um inseto polinizador não é a flor e sim as leveduras que vivem no néctar. O néctar é rico em açúcar e as leveduras estão fermentando esse açúcar, produzindo compostos voláteis que atraem os insetos, que vão lá consumir o néctar e nesse movimento acabam promovendo polinização”, informa.

Stephanie Bressan, do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária, está trabalhando também com a produção de compostos orgânicos voláteis, com foco nas leveduras de abelhas e flores, enquanto o colega Eduardo trabalha com os besouros. Larissa Werlang, também da Engenharia Ambiental, e Anderson Giehl, estudante de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Biociências na UFSC (onde Alves também atua), estão à frente das pesquisas em campo, buscando leveduras nas matas de araucárias.

Há também as estudantes Camila Oliveira e Mariana Diniz, que, com a professora Vanessa Silva do curso de Agronomia, verificam o potencial que algumas leveduras podem ter de acelerar o crescimento das plantas. “A gente sabe que algumas leveduras produzem ácido indol-acético e que essa substância é um indutor do crescimento de plantas. Nós já fizemos um teste-piloto com sementes de cenouras e vimos que na presença de leveduras a germinação é melhor. Então sabemos que as leveduras podem nos dar diferentes produtos, seja para a saúde humana, seja em termos ambientais, seja em termos energéticos”, comenta Alves.

Conforme o professor, a ideia é que, nos quatro anos dentro do INCT, sejam desenvolvidas diversas pesquisas a partir das amostras coletadas no bioma da Mata de Araucárias. Assim, além de descobrir novas aplicações, também será possível demonstrar como é muito mais rentável, em termos econômicos, ter uma floresta preservada do que derrubá-la.

Criação de coleção

O trabalho com leveduras vem sendo desenvolvido na UFFS desde 2011 e o banco de amostras já é vasto e, por isso, recentemente foi oficializada pela Portaria nº 207/PROPEPG/UFFS/2023 a criação da Coleção de Leveduras do LabBioLev – UFFS Chapecó, sob a curadoria do professor Sérgio Luiz Alves Júnior. Ela é a terceira coleção criada pela UFFS, as outras duas são do Campus Realeza (Coleção Entomológica e Coleção Biológica de Plantas).

As linhagens que compõem a coleção de leveduras foram majoritariamente obtidas a partir de coletas realizadas na região de Chapecó, considerando um raio de aproximadamente 120 km. Mas há amostras também de vegetação de restinga e algas da Praia dos Ingleses, em Florianópolis (SC). Segundo Alves, a criação da coleção confere maior segurança ao patrimônio genético da microbiota brasileira.

O LabBioLev é composto por Alves e seus orientandos, que são alunos de iniciação científica, pós-graduação e uma pós-doutoranda. Nele, são realizadas pesquisas acerca do potencial biotecnológico de leveduras da microbiota nacional. Essas pesquisas envolvem a caracterização bioquímica desses microrganismos. Segundo o professor, são desenvolvidos muitos trabalhos em parceria, especialmente, com o Laboratório de Microbiologia e Bioprocessos do Campus Erechim, coordenado pela professora Helen Treichel, e com o Laboratório de Resíduos Sólidos do Campus Chapecó, coordenado pelos professores João Paulo Bender e Guilherme Mibielli.

Há ainda trabalhos com o Laboratório de Biologia Molecular e Biotecnologia de Leveduras, coordenado pelo professor Boris Stambuk, do Departamento de Bioquímica da UFSC; com o Laboratório de Virologia Aplicada, coordenado pelas professoras Gislaine Fongaro e Izabela Silva, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da UFSC; e com o Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de Fungos, coordenado pelo professor Carlos Rosa, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG. No Campus Chapecó, o laboratório também conta com efetivo apoio técnico, especialmente dos servidores Jonas Goldoni, Filomena Marafon e Odinei Fogolari.

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