UFFS - Campus Chapecó oferece curso a mulheres imigrantes
Demanda começou pela questão do empreendedorismo, mas se expandiu com a língua portuguesa, saúde da mulher e atendimento a seus filhos.

Publicado em: 25 de outubro de 2022 14h10min / Atualizado em: 25 de outubro de 2022 16h10min

Mulheres imigrantes estão participando de um curso sobre empreendedorismo e inserção no mercado de trabalho na UFFS – Campus Chapecó. O movimento Empreende UFFS iniciou as ações a partir da demanda da Associação Voluntários para o Serviço Internacional Brasil (AVSI). O primeiro encontro aconteceu no dia 5 de outubro e, em cinco quartas-feiras, o grupo se reunirá para tratar dos temas.

Mas houve mais “braços” da UFFS – Campus Chapecó movimentados a partir do curso. O bolsista do Centro de Línguas da UFFS (Celuffs) Fabricio Romani atua como professor de português brasileiro. Já o curso de Pedagogia promove atividades com os filhos das mulheres que, no horário do curso, estariam com as crianças. Pelo interesse das participantes em questões sobre saúde da mulher, a Liga Acadêmica de Saúde da Mulher (Lasam) também foi chamada a participar.

A coordenadora das atividades e uma das líderes do Empreende UFFS, professora Kelly Tosta, resume como foi a jornada até chegar ao formato das atividades que compõem o curso: “a demanda chegou da AVSI, que acolhe os imigrantes venezuelanos através do trabalho, e que percebeu que essa relação favorecia os homens, enquanto as mulheres acabavam ficando somente com o trabalho doméstico e tendo sérias dificuldades de adaptação ao país e até mesmo de se inserir no mercado de trabalho. Percebemos que muitas têm qualificação e experiências profissionais, e que a grande maioria tem vontade de empreender seus negócios. E nós podemos ajudá-las!”

Assim, segundo ela, a primeira parceria pensada foi com o Sebrae-SC, entidade na qual o Empreende UFFS já faz uma agenda de ações. “Para viabilizar essa ideia, conhecendo o potencial do trabalho coletivo e outras atividades do Campus, logo buscamos o suporte do Celuffs, que prontamente se dispôs a nos apoiar na questão do idioma. A AVSI levantou que elas tinham interesse em saber mais sobre saúde da mulher, e como eu sou pesquisadora do GEPISMUG (Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre Saúde, Mulher e Gênero) logo lembrei da LASAM que poderia fazer esse trabalho. Por ser mãe, pensei que muitas dessas mulheres poderiam ter dificuldades em particular por não ter com quem deixar os filhos pequenos e, nesse caso, buscamos suporte do curso de Pedagogia. Ou seja, existe uma grande disposição e vontade dos colegas em contribuir, mesmo não tendo o cenário ideal em termos de recursos”.

O aceite do Empreende UFFS, de acordo com a professora, veio pelos objetivos diretamente relacionados à demanda apresentada pela AVSI: fomentar o empreendedorismo feminino e o empreendedorismo social. “O curso nos aproxima do alcance desses objetivos. Além disso, esse curso é uma demonstração clara da potência que a universidade tem para transformar a vida das pessoas. Estamos dispostos a apoiar essas mulheres para que seus sonhos se tornem ideias concretas, sejam incubadas na nossa Incubadora de Negócios (INNE) e se tornem negócios capazes de garantir uma vida digna para essas famílias”, reforça ela.

O estudante de Letras Fabricio Romani, bolsista do Celuffs, atua como professor de português brasileiro no projeto. “Apesar dos desafios das migrantes serem muitos, a língua é uma das maiores barreiras que elas enfrentam nesse processo de socialização. Por isso, eu tento sempre fazer da sala de aula um espaço onde os alunos possam aprender a língua sem vergonha ou medo, que possam se expressar de uma forma independente”.

Além de contribuir com as mulheres no curso, Fabricio vê a atuação como uma possibilidade de olhar para a língua sob outra perspectiva. “Ser professor de uma língua estrangeira é muito diferente de atuar em uma escola regular. É necessário ter uma sensibilidade maior e entender minimamente o contexto sobre o qual os alunos estão inseridos, porque você não está ali trabalhando com um objeto (a língua) apenas, você está lidando com todo um processo de inclusão social que escapa também ao espaço da sala de aula, mas que sempre é atravessado por uma questão de linguagem”. E ele ainda acrescenta a questão do trabalho conjunto, por um bem comum: “estou muito orgulhoso de ver pessoas da pedagogia, de letras, de medicina e de administração trabalhando juntos, cada um com suas perspectivas, para construir este projeto”.

Para a professora de Medicina e coordenadora da Liga de Saúde da Mulher (Lasam), Maira Rossetto, juntar as ações acaba por “empoderar as mulheres por meio da cidadania”. E ela lembra que o acesso à saúde é um direito do cidadão, seja ele brasileiro ou imigrante.

“O coordenador da ONG nos procurou no sentido de falar sobre o acesso, já que muitas vezes as mulheres adoeciam e nem sabiam que tinham direito a procurar a unidade de saúde gratuitamente. Além disso, outras demandas eram métodos contraceptivos, planejamento familiar, questões relacionadas ao câncer de mama e de colo uterino, questões que trabalhamos com as mulheres brasileiras, mas com o diferencial de que essas mulheres também precisavam saber sobre o acesso aos serviços de saúde”, finaliza ela.

Pelo curso de Pedagogia,  a professora Kátia Segranfedo coordena as atividades e outras cinco acadêmicas da nona e décima fase do curso atuam para atender as crianças, filhos e filhas das mulheres que participam das atividades de formação. As atividades com as crianças são desenvolvidas no espaço interno e externo do Laboratório de Experiências Lúdicas e Brincadeiras (Ludobrinc).

Para ela, as estudantes estão tendo um complemento do que aprendem e discutem nas aulas teóricas. “Há um momento anterior em que planejamos as atividades, pois são crianças de diferentes idades, desde bebês até crianças de dez, 12 anos. A metodologia que adotamos abarca duas dimensões importantes para o desenvolvimento da criança: a lúdica – em que desenvolvemos brincadeiras, músicas, contação de histórias e a diversão livre – e a educativa – em que as crianças fazem desenhos, manuseiam pincéis, lápis e tintas. Todas as atividades são, portanto, planejadas, orientadas e acompanhadas pelas acadêmicas”.

A professora Kátia reforça o potencial da universidade pública a partir do projeto desenvolvido em parceria entre diferentes cursos: “a pluralidade de saberes, conhecimentos, práticas existentes na Universidade, aliadas às necessidades do seu entorno. Essa sincronia potencializa o desenvolvimento de ações inovadoras como essa e melhora a qualidade de vida da população. Este projeto mostra um pouco do que fazemos na Universidade, enquanto instituição pública. É nosso papel promover a inclusão social e fomentar o exercício da cidadania”.


Sobre a parceria

O articulador local da AVSI, João Barbosa Pina Pereira, explicou mais a respeito da parceria estabelecida com a UFFS – Campus Chapecó:

- Como chegou a demanda de um curso a vocês?

A demanda surgiu a partir da constatação de que muitas mulheres migrantes possuem dificuldades para se integrar no mercado formal de trabalho. Durante a fase de aplicação dos questionários de avaliação do processo de interiorização, realizada no mês de junho de 2022, identificamos que, na maioria dos domicílios visitados, o articulador da AVSI foi recebido por mulheres que eram esposas de migrantes homens contratados por uma agroindústria. Essas mulheres dividiam os trabalhos domésticos com o cuidado das crianças. Nesse contexto, foi notado um maior abandono de carreiras por parte do gênero feminino dentre o público migrante, bem como um menor domínio da língua portuguesa por parte dessas mulheres que, ao serem isoladas do ambiente de trabalho formal, possuem menor contato diário com o idioma. Compreendemos que essa inatividade no campo profissional pode desencadear processos de agravamento da saúde mental dessas mulheres, como por exemplo, sintomas de depressão e ansiedade. Identificamos, por meio da pesquisa, que muitas mulheres migrantes desejam trabalhar e contribuir com o orçamento doméstico, havendo, portanto, necessidade de serem realizadas capacitações que viabilizem oportunidades de acesso ao mercado laboral para elas.


- Quais eram as necessidades apresentadas para além do curso?

Para além do conteúdo de empreendedorismo e inserção no mercado de trabalho per se, era necessário trabalhar o domínio da língua portuguesa, bem como encontrar cuidadores para os filhos dessas mulheres durante o tempo em que estivessem assistindo ao curso. Foi graças ao apoio do Celuffs e do curso de Pedagogia que foi possível abarcar estas outras necessidades das mulheres. No que tange à saúde, também consideramos necessária a viabilização de um espaço de acesso a informações, principalmente sobre exames médicos preventivos, funcionamento do serviço SUS, entre outros. De igual modo, irá se trabalhar, nos próximos encontros, a questão do planejamento familiar. Existem algumas diferenças culturais extremamente importantes sobre saúde sexual e reprodutiva e métodos contraceptivos que devem ser abordadas e conhecidas pelo público participante.


- Quais as razões para as dificuldades de inserção desse público no mercado de trabalho?

As dificuldades para a inserção de mulheres migrantes no mercado laboral regional são variadas. Podemos citar, por exemplo, o perfil das vagas de trabalho oferecidas na região (geralmente são operacionais na área da indústria e trabalhos que exigem um grande esforço físico); grande parte dos núcleos familiares são compostos por filhos pequenos em idade escolar (a dificuldade de vagas em creches e escolas em turno integral requere que um dos adultos sempre esteja em casa); além disso, também podemos mencionar as dificuldades encontradas na revalidação de títulos e diplomas (muitas migrantes são qualificadas acadêmica e tecnicamente em seus países de origem, mas no Brasil não conseguem exercer suas profissões, pois o processo de revalidação é caro e demorado).


- Como vocês veem a parceria com a UFFS - Campus Chapecó, em especial ao Movimento Empreende UFFS?

A parceria com a UFFS se mostrou, desde o primeiro contato, altamente receptiva a nossa proposta, sobretudo na figura da professora Kelly, que “abraçou” a nossa ideia. Estamos muito felizes de poder contar com a parceria de profissionais tão capacitados do Empreende UFFS como a profª Kelly, prof. Humberto, profª Larissa e a egressa da UFFS Cássia Ternus, que contam com uma rica bagagem no campo do empreendedorismo e controle de finanças para transmitir às mulheres imigrantes. Nos alegra muito a receptividade da Liga Acadêmica de Saúde da Mulher, do Celuffs e do curso de Pedagogia por esse projeto, bem como o grande comprometimento desses parceiros em cada encontro.


- O que se espera, ao final do curso?

Esperamos, no final do curso, proporcionar ferramentas para que as participantes
possam desenvolver plenamente suas capacidades e competências, softs skills e conhecimentos
específicos na área de economia, finanças e marketing. Além disso, objetiva-se estimular o “espírito empreendedor” para que elas se sintam preparadas a iniciar um pequeno negócio ou ingressar no mercado de trabalho, de maneira formal. Espera-se, em certa medida, gerar empoderamento e promover a independência econômico-financeira dessas mulheres.