Professor do Campus Erechim lança livro sobre nacionalidade, futebol e imprensa na Copa de 1950

Publicado em: 30 de maio de 2014 13h05min / Atualizado em: 09 de janeiro de 2017 07h01min

Com uma gama de ilustrações garimpadas em diferentes arquivos e em veículos de comunicação editados em quatro estados brasileiros no período aproximado de 1948 a 1950, o professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim, Gerson Wasen Fraga, lançou, na última semana, o livro “Uma Triste História de Futebol no Brasil – O Maracanaço: nacionalidade, futebol e imprensa na Copa do Mundo de 50”. A obra é fruto de uma pesquisa intensa realizada pelo historiador durante quatro anos, além de um período de avaliação da edição, com o acréscimo, especialmente, de fotos e imagens de páginas de jornais e revistas.

O livro trata da história da Copa do Mundo ocorrida no Brasil, que teve como desfecho a derrota da seleção brasileira, em pleno Maracanã, para o Uruguai. Por não existir registro completo do jogo, em imagem, a partida é repleta de lendas que se arrastam até hoje. Conforme consta na obra “o trabalho é sobre futebol e parte de sua história e, sobretudo, sobre a identidade brasileira e um enorme choque de mazelas: antigo versus contemporâneo, rural versus urbano, velho Jeca de Lobato versus novo homem brasileiro que surgia com a modernidade. Durante a Copa do Mundo de 1950, o futebol nos dava algo que a História nos negara: o orgulho de nós mesmos. (…) Até que nos sobreveio o gol de Ghiggia.”

Para a pesquisa o autor usou, principalmente, edições de quatro veículos de comunicação que circulavam na época: jornal Correio do Povo (RS), Revista do Globo (publicada em Porto Alegre e com circulação nacional), jornal A Tarde (de Salvador) e revista O Cruzeiro (editada no Rio de Janeiro e com circulação nacional). O livro foi lançado pela editora Méritos.

Saiba mais sobre a obra nas palavras do autor:

Qual o contexto em que ocorre a Copa de 50?

Gerson Fraga - 1950 era um momento de "fronteira" entre duas visões de brasileiros: Você tem aquela visão de brasileiro que é fruto das três raças tristes, lá do Paulo Prado – que aponta a mestiçagem como um problema -, ou seja, o brasileiro é o Jeca Tatu, digamos assim, é um atrasado por conta da sua formação. Mas também, já desde a Semana da Arte Moderna, em 1922, vem uma série de intelectuais dizendo que a cultura brasileira tem muitas coisas ricas, importantes, que nós podemos ser modernos, nós podemos pegar traços da nossa cultura, conjugar com coisas lá da Europa e criar uma terceira, que somos capazes de grandes realizações como qualquer outro povo e, no fundo, a miscigenação é uma coisa boa. Em 50, mais ou menos, essas duas visões estão em choque. O que acontece? Como um time de futebol são 11 pessoas escolhidas aleatoriamente, fica muito mais fácil projetar nesses 11 tudo que eu vejo de ruim e tudo que eu vejo de bom no país. Então, naquele momento, aqueles jogadores estariam representando esse embate, de certa forma, não para os outros, mas para nós mesmos. O que acontece, cada vez que o Brasil vai ganhando, se classifica para a fase final? Os jornais vão dizendo: “Agora sim, agora a gente vai mostrar para o mundo que somos capazes de conquistas, vamos mostrar nossa modernidade, como somos civilizados”. Parecia que ganhar a Copa era entrar no mapa do mundo na condição de país de primeiro mundo, de país desenvolvido. A gente mostraria a capacidade de conquista para os outros. Na verdade a gente não queríamos mostrar para os outros; queríamos mostrar para nós mesmos.

A derrota na final causa que efeito diante dessas expectativas?

Gerson Fraga - Quando o Brasil perde para o Uruguai o discurso de uma boa parte da imprensa na época é: “Olha só, perdemos. Perdemos por quê? Porque somos uns atrasados, uns incivilizados, somos uns Jecas; o problema é nossa formação histórica, nossa nacionalidade mal formada; o brasileiro é isso mesmo, nunca vai conseguir nada de melhor”. Outra parte diz: “Olha gente, era só um jogo de futebol, a gente queria mostrar civilização, mostramos; mostramos que o Brasil não é só Rio de Janeiro e São Paulo; queríamos mostrar capacidade de grandes realizações e construímos o maior estádio de futebol do mundo em apenas dois anos; perdemos porque era um jogo, porque o adversário era um time bom, só isso; o que a gente tinha que mostrar a gente mostrou”.

Após a Copa alguma dessas ideias prevaleceu?

Gerson Fraga – Mantém-se o choque. Existe muito forte esse embate ainda hoje. Você já deve ter ouvido isso muitas vezes: “essa bagunça, essa desorganização é coisa de brasileiro”. Isso constrói um grande senso comum de como o brasileiro é. Só que brasileiro é um grande saco de gatos de milhões de pessoas, portanto, não é assim. Então, depois de 1950, aqueles que viam a necessidade de ganhar a copa como uma prova da capacidade de conquista do brasileiro veem a derrota como uma prova de que nós nunca iríamos ganhar nada, mas outros diziam que não era assim. Até porque tem outra coisa que eu defendo no livro, com base nas ideias do importante historiador [Eric] Hobsbawm. Ele pontua que para uma nação ser considerada uma nação, no sentido moderno, você precisa de algumas coisas, uma delas é a capacidade comprovada de conquista, o que ocorre, normalmente, no plano militar, na guerra. Bom, quando seria a capacidade comprovada de conquista do Brasil? Na Guerra do Paraguai? Mas na Guerra do Paraguai era um império ao lado de duas repúblicas lutando contra uma república e eu estou – em 1950 - em um período republicano, então não quero glorificar o império, portanto não serve. Canudos? É brasileiro lutando contra brasileiro, não serve, não fica bem. Segunda Guerra Mundial? Mas o Brasil entrou na Guerra aos 49 minutos do segundo tempo, teve uma participação pequena, não serve. Então não é no plano militar que o brasileiro prova a sua capacidade de conquista. Eu tenho que transferir isso para outro campo, esse campo para o brasileiro é o esportivo, bem especificamente o futebolístico, é lá que o Brasil quer se afirmar.