Professora do Campus Chapecó fala sobre 8 de março: significa um dia de luta
Docente do curso de Ciências Sociais, Claudete Soares, fala, em entrevista, sobre o significado do Dia Internacional da Mulher

Publicado em: 08 de março de 2017 09h03min / Atualizado em: 08 de março de 2017 14h03min

 

  1. O que significa o Dia Internacional da Mulher?

O Dia Internacional de Mulher significa um dia de luta, pois o 08 de março é uma referência a episódios bastante emblemáticos da luta das mulheres contra os processos de opressão, subordinação e exploração com base em gênero. Por perceber o dia 08 de março como um dia de luta, confesso certo estranhamento sempre que sou parabenizada pelo dia da mulher. Me parece que há nesse ato um desvirtuamento do real significado da data, que é, no sentido mais forte, lembrar a nossa sociedade que ela tem reservado um lugar de subalternidade às mulheres e que as mulheres, embora experimentem um desequilíbrio no acesso aos recursos de poder, não podem aceitar esse lugar que lhes foi reservado. Ao invés das flores e parabéns, eu espero que cada homem transforme o dia 8 de março em um momento de reflexão sobre os privilégios que usufrui pelo simples fato de ser homem e sobre o lugar que tem ocupado na luta contra as formas de subordinação das mulheres.


  1. Qual é o maior desafio que enfrentamos para alcançar a igualdade de gênero?

Me parece que temos feito progressos significativos na luta pela igualdade de gênero. Vejo cada vez mais envolvimento de uma parcela muito jovem da população feminina com esses temas, construindo práticas, produzindo discursos no sentido de dizerem “Basta, não vamos mais aceitar”. No entanto, me parece que esse processo tem avançado em tempos muito diferentes para homens e mulheres. Nesse sentido, um dos maiores desafios é justamente ajustar esses tempos de forma que homens percebam que é deles que estamos falando, e que também passem a questionar os privilégios e os lugares de poder que ocupam pelo simples fato de serem homens. Me surpreende a dificuldade de um diálogo honesto sobre esse tema mesmo com homens que se filiam a uma perspectiva crítica, no sentido de questionarem estruturas de poder e de desigualdade. Toda vez que os temas que tocam as relações de poder entre homens e mulheres são banalizados e as nossas demandas deslegitimadas, sinto que nos distanciamos da possiblidade de diálogo. E isso tem ocorrido com muita frequência.

No dia seis de março, foi divulgado o estudo do IPEA Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça. Entre os vários dados que nos interessam para pensar as relações de poder entre homens e mulheres, está o fato de que as mulheres têm uma sobrecarga de trabalho maior do que a dos homens: “ mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana”. O que isso significa? A sobrecarga de trabalho para as mulheres está associada à dicotomia entre o espaço público e privado. Se vivenciamos uma progressiva democratização dos espaços públicos, com a participação e visibilidade de mulheres em vários setores da vida social, as tarefas relacionadas à família e a casa continuam sendo tratadas como trabalho feminino. O que faz com que as mulheres tenham uma carga horária de trabalho muito maior do que a dos homens. O fato de que ainda hoje as mulheres, mais do que os homens, estejam presas a essas tarefas significa mais tempo livre para os homens; maior liberdade para eles se dedicarem ao desenvolvimento intelectual e à ascensão profissional. Localiza-se nesse ponto um dos maiores desafios quanto à igualdade de gênero. Homens ocupam um número infinitamente maior de lugares de poder e prestígio em nossa sociedade porque continuam se valendo da exploração do trabalho feminino, doméstico que os libera para se dedicaram mais intensamente e livremente as atividades no espaço público, com maior reconhecimento social.



  1. Quais são algumas das principais estratégias para atingir a igualdade de gênero?

A desigualdade de gênero é um fenômeno multifacetado que corta todas as nossas relações sociais. A desigualdade de gênero está assentada no fato de os principais recursos de poder estarem monopolizados nas mãos de homens: recursos simbólicos e materiais. É isso que condiciona os lugares subalternos ocupados por mulheres em nossa sociedade. Nesse sentido, me parece que qualquer estratégia de igualdade de gênero deve ter como meta equilibrar esse acesso desigual aos recursos de poder. Por um lado, temos que avançar em políticas públicas que tenham como foco a igualdade de gênero. Assim como se faz necessário aperfeiçoar os mecanismos de ações afirmativas que tenham as mulheres como público-alvo. Por outro, temos que desafiar as representações simbólicas dominantes sobre os significados de ser mulher e do corpo feminino. E isso se faz por meio de ações educativas nos mais diversos campos. Fico muito assustada com a forma como o corpo feminino tem sido representado nas mídias em geral, um corpo que é um objeto a ser tocado e consumido. O que seria isso senão um reflexo da forma como esse corpo feminino tem sido tratado nas nossas relações mais diversas? Um corpo a ser possuído, violado, descartado e, no limite, destruído. Ainda no plano das representações, temos o processo de idiotização de meninas desde a tenra idade com a inculcação do ideal de princesas. Ora, colocar meninas nesse lugar significa reforçar papéis de gênero de docilidade, fragilidade e controle sobre a aparência dos corpos femininos com o único objetivo de agradar homens.

É nesse sentido que penso que políticas públicas que incidam sobre a desigualdade material e ações educativas que incidam sobre as representações de gênero devam compor as estratégias para atingir a igualdade de gênero.



  1. As universidades têm algum papel nessa busca pela igualdade de gênero? Se sim, qual seria?

Todas as instituições deveriam assumir um papel na busca pela igualdade de gênero, uma vez que todas elas são cortadas por desigualdade de gênero, da família à escola, passando pela igreja à universidade. As universidades são historicamente o espaço de produção de um tipo de conhecimento que é considerado válido e legítimo pela sociedade. No entanto, esse conhecimento é socialmente condicionado, o que significa dizer que ele é impregnado por relações de poder. Na medida em que as organizações de mulheres e as organizações feministas avançam em seu projeto de questionamento das desigualdades de gênero e na luta por igualdade, a própria universidade se torna um espaço de luta. A inserção de mulheres na universidade implicou um questionamento da forma como o conhecimento era produzido, na produção de perspectivas novas e no surgimento de temas antes silenciados, mesmo que essa inserção seja ela própria seletiva. De modo geral, podemos nos perguntar quem foram as mulheres, oriundas de qual classe social, de qual grupo étnico-racial que mais se beneficiaram do acesso ao conhecimento, via inserção na universidade. No entanto, é inegável o papel que a universidade, via ação das mulheres, tem cumprido na produção de um tipo de conhecimento que fornece instrumentos para a luta por igualdade de gênero, ao criar chaves explicativas para esse processo específico de dominação. A universidade contribui também com a formação de quadros para ocupação de espaço nas várias dimensões da organização do Estado ou da sociedade civil, atuando na formulação de políticas ou na elaboração de projetos. Além disso, a universidade tem também desempenhado um papel educativo, via projetos de Extensão e parcerias com movimentos e organizações de mulheres. Na minha opinião, quanto mais avançarmos internamente na luta pela igualdade de gênero, mais as universidades terão condições de contribuir com essa luta.